Dia Internacional da Biodiversidade, entrevista com Ana Carolina Haliuc Bragança, Procuradora da República no Ministério Público Federal

Neste sábado, 22 de maio, comemoramos o Dia Internacional da Biodiversidade e a procuradora da República no Ministério Público Federal, Ana Carolina Haliuc Bragança, nos concedeu uma entrevista acerca do tema. Ela abordou as ameaças, a relação com os serviços ecossistêmicos, o consumismo, medidas de proteção e as ações do Ministério Público na proteção do meio ambiente.

1- Quais são as principais ameaças que a biodiversidade tem enfrentado?

Ana Carolina Haliuc Bragança: Na Amazônia a principal ameaça biodiversidade é de fato a perda de habitats, que é motivada sobretudo por dois fenômenos: o desmatamento e a degradação florestal. A degradação é o chamado “bosqueamento”, causada pela extração seletiva de madeira. Já o desmatamento é o corte raso da floresta. Em ambos os casos há uma perda importante de biodiversidade, não apenas de flora em função das árvores que são retiradas, mas também das demais plantas que mantém com elas relações de simbiose, e a perda para fauna que tem o seu os seus respectivos habitats destruídos.  

É importante mencionar outras ameaças como os grandes empreendimentos de construção de rodovias e usinas hidrelétricas.  Isso tem um impacto em todo o entorno com o prejuízo à biodiversidade, na medida em que são facilitados e incentivados esses fenômenos, como o desmatamento e a degradação.

Outra ameaça é a prática de crimes relacionados à fauna, como os crimes sobre exploração do patrimônio genético e o comércio de animais vivos ou de partes de animais, tanto internamente para outras regiões do Brasil como para o exterior.

2- Qual é a relação da biodiversidade com os serviços ecossistêmicos?

Ana Carolina Haliuc Bragança: Os serviços ecossistêmicos foram recentemente definidos pela nova lei da Política Nacional por Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA.  (nº 14.119/21), que são aqueles serviços prestados pelo meio ambiente para a conservação, manutenção, recuperação e melhoria das condições ambientais. São serviços que são essenciais a manutenção da própria condição de vida do planeta.

A ecologia trabalha com a ideia de redes de inter-relacionamento que demonstram que o equilíbrio e a manutenção das condições de vida, inclusive do ser humano, são muito dependentes da manutenção, da qualidade e da integridade, chamada até integridade ecológica. Isso significa que a perda de biodiversidade, e o comprometimento de pedaços de trechos dessa rede acaba tendo impactos por vezes não pensados, não meditados ou não previstos antecipadamente sobre outros pontos da mesma rede, inclusive sobre a qualidade da vida das populações humanas.

3- Como a perda a biodiversidade da Amazônia pode afetar as nossas vidas?

Ana Carolina Haliuc Bragança: A floresta amazônica tem um papel importante na manutenção do equilíbrio hidrológico não apenas para o Brasil, mas para todo hemisfério da América do Sul. Existe um chamado tipping point, ponto de inflexão, a partir do qual a perda de floresta passará a implicar a incapacidade de prover esse serviço de estabilidade hidrológica, o que acarreta o aumento das crises hídricas em toda a região sul e sudeste do Brasil e também em outros países.

A perda de biodiversidade para o corte seletivo de madeira e o desmatamento acabam contribuindo diretamente para o atingimento tipping poin. Em função dessa rede de entrelaçamento que existe entre a biodiversidade, a perda de habitat faz com que o desmatamento e a degradação, por exemplo, causem a perda de admissão da diversidade de fauna, que também compromete a diversidade de flora.

Em muitos momentos, há elementos de conexão dos quais, por exemplo, os animais têm um papel relevante na dispersão de sementes ou no espalhamento territorial de determinadas espécies vegetais.

Quando se afeta um elemento dessa rede, acaba afetando todos os outros. O desmatamento e a degradação afetam a fauna. Por outro lado, a diminuição da diversidade de fauna também tem um impacto sobre a diversidade de flora. Tudo isso acaba tendo um impacto conjunto sobre a prestação de uma série de serviços ecossistêmicos, dentre os quais a estabilidade hidrológica.

4- Como o consumismo reflete na perda da biodiversidade?

Ana Carolina Haliuc Bragança: O grande problema do consumismo é a percepção, ou talvez da falta percepção, das pessoas no sentido de que tudo o que se consome precisa ser produzido, precisa vir de alguma fonte de produção que necessariamente vai utilizar recursos naturais. Um exemplo são bens de plástico, que implicam na extração de petróleo, utilização da água, e conjuntamente na perfuração de solo.

No final das contas, qualquer produto que se consume puxa o fio da produção que vai chegar de um bem de um recurso natural. Ao utilizar recursos naturais diminui a disponibilidade desses recursos no planeta. A biodiversidade está nesse rol de recursos naturais que estão a nossa disposição. A gente precisa utilizar com muita parcimônia e tendo em mente a ideia de desenvolvimento sustentável.

Nos anos 80, a comissão Brundtland, no relatório Nosso Futuro Comum da ONU, propôs que o desenvolvimento sustentável entenda as nossas necessidades sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem também as suas próprias necessidades. Mas o que é necessidade? Quais são as nossas necessidades? É isso que a gente tem que repensar quando falamos de consumismo. Nossas necessidades muito provavelmente não são aquelas que nós acreditamos ter, porque estamos acostumados à ideia de normalizar um patamar de consumo, que é incompatível com a exploração racional dos recursos naturais que estão disponíveis no planeta.

5- Quais são as medidas urgentes para proteger e gerir de forma sustentável a biodiversidade?

Ana Carolina Haliuc Bragança: Há várias dimensões em relação aos quais a gente pode tratar essa pergunta. A gente estava falando de consumismo, então tem um componente de contribuição individual de cada pessoa de buscar ser menos consumista, e, portanto, contribuir menos para a utilização desenfreada de recursos naturais.

Mas é claro que o mais importante é que os estados/países implementem adequadamente as políticas públicas que se façam necessárias para a proteção da biodiversidade. A implementação de políticas públicas vai acontecer em vários espectros.  Em regra, todos esses espectros estão abrangidos em alguma medida pela nossa Constituição Federal. Nós temos políticas públicas de educação ambiental que visam formar gerações menos consumistas. Políticas públicas de proteção para áreas ricas em biodiversidade. Nesse caso temos as políticas versando sobre as unidades de conservação, políticas de repressão aos ilícitos administrativos e criminais contra a flora e a fauna e políticas de proteção de territórios tradicionais, pois esses territórios e os povos tradicionais são grandes repositórios e áreas de grande proteção à biodiversidade.

O Ministério Público vai atuar em alguma medida para acompanhamento da implementação dessas políticas públicas, mas é extremamente importante que o poder executivo esteja também funcionando e trabalhando adequadamente nas diferentes dimensões.

No caso do Brasil é preciso ter o Ibama funcionando, pois faz importantíssimo trabalho nesse sentido na gestão de espécies ameaçadas de extinção, inclusive o controle do comércio das espécies. O licenciamento ambiental tem que estar funcionando para que seja possível aferir eventual impacto de empreendimentos. A fiscalização ambiental tem que estar funcionando. Enfiam, o estado tem que estar funcionando como um todo para que a proteção à biodiversidade realmente aconteça.

6- O que o MP tem feito para o enfretamento de crimes contra a biodiversidade?

Ana Carolina Haliuc Bragança: Sobre a atuação do MP, há dois aspectos a serem ressaltados. Primeiro o fortalecimento da atuação criminal no enfrentamento aos crimes ambientais. Em todo o país tem havido um movimento de especialização de ofícios e promotores do Ministério Público em matéria ambiental, inclusive em matéria criminal, o que tem favorecido o desenvolvimento de iniciativas focadas na questão do enfrentamento à criminalidade. Cada vez mais a temos operações criminais voltadas, não apenas à condutas criminosas específicas e pontuais, mas nas verdadeiras redes criminosas que atuam nos diversos biomas do Brasil, o que é relevantíssimo para colheita de frutos no que diz respeito à proteção à biodiversidade. O segundo ponto é a produção e o acúmulo de conhecimento e a da atuação no acompanhamento da implementação de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente, não apenas no âmbito das promotorias e ofícios de procuradores da República, mas também no âmbito da própria ABRAMPA. Um exemplo é a ação civil pública de que ABRAMPA é autora, versando sobre exportação ou facilitação das normas de exportação de madeira nativa. Um ato administrativo que foi impugnado pela ABRAMPA numa atividade de controle de uma política pública de trato da madeira nativa brasileira e que tem um impacto relevante na proteção a biodiversidade da Amazônia, em especial no quesito flora.

Isso revela também a importância da ABRAMPA como articuladora e local de apoio aos seus associados, bem como um espaço de litigância em defesa do meio ambiente.

 

* Ana Carolina Haliuc Bragança é Coordenadora da Força-Tarefa Amazônia. Atuou, no MPF, nos Estados de Mato Grosso, Roraima e hoje atua no Amazonas, na área de proteção ao meio ambiente. Formada em Direito pela Universidade de São Paulo, cursa especialização em Direito Ambiental na Universidade Federal do Paraná.

 

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