Dia Nacional da Conservação do Solo – Entrevista com Carlos Alberto Valera, Promotor de Justiça do MPMG e Doutor em Ciência do Solo

Nesta quinta-feira, 15, comemoramos o Dia da Conservação do Solo, o coordenador Regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias Hidrográficas dos Rios Paranaíba e Baixo Rio Grande, promotor Carlos Alberto Valera, nos deu uma entrevista acerca do tema. Ele nos contou um pouco sobre a importância, os benefícios, e os desafios da conservação do solo. 

Confira abaixo a entrevista completa:

1 – Por que é importante conservar o solo? 
Carlos Alberto Valera: Na pedosfera (solo), ocorrem os serviços ecossistêmicos e a grande maioria dos processos hidrológicos e geoquímicos que sustentam funções ecológicas essenciais. 
De acordo com a Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981: 
Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: 
… omissis … 
V – Recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora […]. 
Diante da clareza do texto normativo citado, não há nenhuma dúvida de que o solo e o subsolo são recursos naturais e ambientais em si considerados, logo, bens ambientais que recebem a proteção constitucional do artigo 225, da Constituição Federal de 1.988 e demais leis infraconstitucionais, dentre elas, a Lei Federal 6.938/81 que institui a Política Nacional de Meio Ambiente.

2 – Quais são os benefícios da conservação do solo?
Carlos Alberto Valera: São vários, pois como dito, é no solo que ocorrem a grande maioria dos processos hidrológicos e geoquímicos que produzem os serviços ecossistêmicos.
A conservação do solo, pode, ainda, proteger os recursos hídricos e até prevenir a emissão de gases do efeito estufa que são o grande vilão do aquecimento global. O CO2 está presente no recurso ambiental solo, o qual tem potencial, levando em conta o tamanho do Brasil, de sequestrar em torno de 40% do citado GEE evitando de forma contundente o aquecimento global, dentre outros benefícios.

3 – Como a conservação do solo pode melhorar a produção agrícola?
Carlos Alberto Valera: De muitas maneiras. Para ficarmos só em ponto, ou seja, nas pastagens degradadas os números impressionam.
O Censo Agropecuário de 2017 indicou que o Brasil tem mais de 351 milhões de hectares na sua matriz produtiva, e que mais de 159 milhões de hectares – 45% de toda a área produtiva – está ocupada com pastagens. Ou seja, o número de hectares destinado à pecuária corresponde a quase metade de toda a matriz produtiva, e essa área abriga mais de 172 milhões de cabeças. Não obstante esses números superlativos, infelizmente, como afirmado pela própria EMBRAPA, mais de 100 milhões de hectares estão com algum grau de degradação. Ora, se os 100 milhões de hectares de recurso natural solo cumprissem o mandamento constitucional da função da propriedade, no caso rural, haveria um enorme, nas palavras da Lei Federal nº 12.187/2009, sumidouro (natural) dos gases do efeito estufa; em especial, do CO2. Há inúmeros artigos científicos, além de farta bibliografia das ciências agrárias, que comprovam que governança, uso, manejo, respeito à aptidão e resiliência dos solos se materializam no sequestro de gás carbônico. Ou seja, em sua retirada, assim como de outros GEE, da atmosfera e no combate efetivo ao aquecimento global e às mudanças do clima. Para além da mudança do clima a ONU – Organização das Nações Unidas estima que até 2050 seremos mais de nove bilhões de pessoas e a produção de alimentos deverá aumentar em torno de 60% e o consumo de água em 40%. Mas como equilibrar essa equação quando o espaço geográfico do planeta continuará o mesmo? Ora, se temos em nossa matriz produtiva, segundo dados do Censo Agropecuário de 2017, 351 milhões de hectares em produção e destes 100 milhões ocupados por pastagens com algum tipo de degradação, não é mais adequado, eficiente e ambientalmente justo reutilizarmos as referidas áreas trazendo-as novamente para o sistema produtivo? Os 100 milhões de hectares já estão antropizados não havendo nenhuma discussão sobre a utilização destas áreas rurais, ou seja, são áreas abertas e aptas para utilização e o desenvolvimento imediato para a expansão do agronegócio. As referidas áreas degradadas são mais do que suficientes para atender as metas de crescimento na produção e a oferta de alimentos sugeridas pela ONU em 60% da demanda atual. Esse cenário possibilita, a nosso ver, decretarmos uma moratória de desmatamento e via de consequência preservar nossos remanescentes de vegetação nativa, criando uma verdadeira “poupança” ambiental cumprindo o desiderato do artigo 225, da Constituição Federal 1988, em especial, o direito intergeracional e, ainda, atendendo aos princípios da eficiência e da função social da propriedade, dentre outros. Há várias ações que podem ser adotadas, dentre elas, há possibilidade de alteração na política de crédito agrícola onde um percentual daquele possa ser utilizado para o enfrentamento do passivo ambiental, o que possibilitará que áreas de pastagens degradadas possam ser trazidas novamente para a produção quer com a atividade pecuária ou qualquer outra atividade, situação aliás já prevista na Lei Federal 8.171, de 17 de janeiro de 1991 – Lei da Política Agrícola. O percentual de 5% do crédito agrícola concedido, com a finalidade de recuperação das áreas de pastagens degradadas, pode ensejar em 20 (vinte) anos o fim desse cenário de degradação e desperdício no uso do recurso ambiental solo pela atividade pecuária. Enfim, conservar o solo é um ótimo negócio, além de se traduzir em benefícios ambientais e sociais.

4 – Quais são os grandes desafios para conservar o solo? 
Carlos Alberto Valera: São vários. O primeiro é entender o solo como recurso natural, sinônimo de bem ambiental e direito fundamental. No mais, nos valermos das geotecnologias e da boa ciência que nos permitam criar métricas para a aplicação eficiente da legislação. 
O  Ministério  Público  brasileiro deve busca mudar esse cenário de degradação, pois com o uso das geotecnologias, da boa ciência, praticadas de “ponta a ponta”, da resolutividade e da demonstração das perdas econômicas, além das sociais e ambientais, o MP brasileiro terá instrumentos e argumentos para convencer os mandatários em seus diversos níveis, gestores públicos, parlamentares e os produtores rurais, enfim, a todos, que há necessidade de proteção do recurso ambiental solo, em si considerado, e que a efetiva proteção deste bem ambiental traz e trará ganhos econômicos, ambientais e sociais, em especial, porque possibilitará ao Brasil mostrar ao mundo que o agronegócio conserva e preserva o meio ambiente para as presentes e futuras gerações aumentando a oferta interna e expandindo as exportações com a geração de emprego e renda, com sustentabilidade.

* Carlos Alberto Valera é Doutor em Direito do Estado (Estado Democrático de Direito); Doutor em Agronomia (Ciência do Solo); Mestre em Direito Público, com ênfase nos Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito.

 

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