Em entrevista, o promotor de Justiça Alexandre Gaio destaca a necessidade de preservação do bioma Mata Atlântica

A Mata Atlântica abrange cerca de 15% do território nacional, em 17 estados. É o lar de 72% dos brasileiros e concentra 70% do PIB nacional. Para entender mais sobre o assunto, o Promotor de Justiça Alexandre Gaio nos concedeu uma entrevistar acerca do tema. Foi abordado a importância de preservação dos remanescentes, a degradação ambiental, o papel importante na economia, os principais ilícitos ambientais, medidas de proteção e as ações do Ministério Público na proteção deste bioma.

Quanto ainda resta de floresta nativa da Mata Atlântica?

Alexandre Gaio: Lamentavelmente restaram aproximadamente 12% de vegetações remanescentes nativas do bioma Mata Atlântica, e esses 12% se conservam de modo isolado, não necessariamente conectados entre eles, o que fragiliza ainda mais a sua proteção. Cerca de 88% da extensão territorial do bioma Mata Atlântica foi ocupado com atividades humanas e com atividades econômicas.

Por que é importante preservar esse bioma?

Alexandre Gaio: A importância da preservação desse bioma se deve a múltiplos fatores. O primeiro fator é da proteção da biodiversidade. Nós temos um número incrível de espécies da flora e da fauna que só existem no bioma Mata Atlântica, e essas espécies, se não forem protegidos os remanescentes, correm o risco de se extinguir. Muitas delas já as extinguiram e várias outras estão na lista de espécies ameaçadas de extinção. Além da proteção das espécies da flora e da fauna, nós temos diversos outros benefícios da biodiversidade que são os serviços ambientais e socioambientais que a Mata Atlântica nos traz, dentre eles os serviços ecológicos essenciais, por exemplo: funções ecológicas reprodutivas, manutenção do ciclo hídrico, regulação das condições macro e micro climáticas, formação e proteção do solo, ciclo de nutrientes, absorção e tratamento de poluentes e a fixação fotossintética da energia solar. Outros benefícios relacionados são as questões estéticas, recreativas e turísticas. Há um aspecto fundamental que é a produção de água potável. Na Mata Atlântica, cerca de 70% da população brasileira se encontra no âmbito do bioma. Essa população, seja para fins de consumo próprio, seja para a economia, necessita da proteção dos mananciais, que depende da manutenção e proteção das suas vegetações remanescentes. É necessário ressaltar também a extrema importância da conservação dos remanescentes para a própria economia. Pois a economia não consegue se sustentar sem esses serviços ambientais e socioambientais que esses remanescentes da Mata Atlântica oferecem.

Como a degradação ambiental da Mata Atlântica afeta a vida das pessoas que estão nas cidades?

Alexandre Gaio: A degradação ambiental da Mata Atlântica afeta direta e indiretamente a vida das pessoas que moram nas cidades. Primeiro, que a degradação fragiliza a segurança hídrica e faz com que os episódios de seca prolongada sejam mais sentidos e mais potencializados. Segundo, que a degradação ambiental, especialmente nos meios periurbanos e nos meios urbanos, faz com que a poluição atmosférica promova consequências mais gravosas à saúde pública e ao bem-estar das pessoas. Também a ausência ou  degradação ambiental da Mata Atlântica afeta negativamente o cotidiano das pessoas ao interferir nas questões de bem-estar psíquico e de potencial recreativo.

Qual a importância da Mata Atlântica na economia?

Alexandre Gaio: A relação da preservação da Mata Atlântica com a economia é evidente. O primeiro exemplo que se dá é justamente a existência de segurança hídrica para abastecimento das populações, mas também para que haja fornecimento regular ininterrupto para as mais variadas e múltiplas atividades econômicas, seja no âmbito industrial, que precisa de muita água, como também nas atividades de agricultura, pecuária e de silvicultura. Todas essas atividades não têm sustentabilidade e não conseguirão ter uma segurança nos seus negócios se a água não estiver disponível. Já temos várias regiões do país com início de processo de desertificação e regiões com bastante dificuldade de abastecimento e uso de água. Essa é uma das funções da Mata Atlântica. O fornecimento de água potável afeta diretamente a economia. Isso ficou bastante claro na crise hídrica que assolou a grande São Paulo e o prejuízo que isso causou. Um outro exemplo é do próprio potencial dos remanescentes do bioma em relação às substâncias que possam ser utilizadas como medicamentos, que entram na indústria farmacêutica ou na indústria estética. Há um grande potencial de biodiversidade para essa finalidade econômica. Uma questão também importante é que, quando não há proteção dos remanescentes, a tendência é que os eventos climáticos extremos ocorram de um modo muito mais agressivo, fazendo com que muitas vezes as inundações, secas, prolongadas, erosões e deslizamentos tragam prejuízos muito significativos ao erário e às próprias atividades econômicas.

Quais são os principais ilícitos ambientais que este bioma enfrenta?

Alexandre Gaio: Os principais ilícitos ambientais que o bioma Mata Atlântica enfrenta se relacionam com o corte raso e supressão de vegetações remanescentes. E essas supressões estão concentradas predominantemente nas áreas rurais ainda por conta da pretensão de expansão das atividades de agronegócio (agricultura, pecuária ou de silvicultura). Além disso, dependendo da região do país, ainda há problemas relacionados à mineração, a empreendimentos hidrelétricos, dentre outras atividades econômicas. Não podemos olvidar os problemas da caça e de tráfico ilícito de animais silvestres e a questão da introdução de espécies exóticas invasoras. Nas áreas de expansão urbana, existe principalmente a pressão de novos empreendimentos imobiliários e atividades industriais e comerciais. Esses e vários outros fatores acabaram interferindo e degradando o bioma.

Quais são as ações que o MP realiza para coibir os ilícitos ambientais na Mata Atlântica?

Alexandre Gaio: A Mata Atlântica abrange cerca de 15% do território nacional, em 17 estados. É o lar de 72% dos brasileiros e concentra 70% do PIB nacional. A principal ação que os Ministérios Públicos dos 17 estados da federação vêm realizando, em conjunto com os órgãos ambientais, polícias ambientais e apoio da Abrampa, Fundação SOS Mata Atlântica e do Mapbiomas é a operação “Mata Atlântica em Pé”, que se realiza desde o ano de 2017 no estado do Paraná, porém a partir de 2018 se transformou numa operação nacional.  A operação nacional já teve 3 edições realizadas, inclusive no ano de 2020, com a participação de todos os 17 estados da federação abrangidos pela Mata Atlântica, e que consiste basicamente na identificação por imagens de satélite dos maiores desmatamentos, na realização de força-tarefa de fiscalização in loco, responsabilização administrativa dos infratores e adoção de providências cíveis e criminais pelo Ministério Público, em especial a busca da reparação integral dos danos ambientais.

Existe remediação ambiental para toda área desmatada?

Alexandre Gaio: As áreas que foram desmatadas ilegalmente devem se submeter a um processo de recuperação da área degradada em regra por meio de um plano de recuperação a ser apresentada pelo infrator e aprovado pelo  órgão público ambiental competente. Essa recuperação integral da área deve ser exigida, sem prejuízo de medidas adicionais de indenização e compensação, em respeito à noção de reparação integral dos danos ambientais. É muito bom ressaltarmos a importância de protegermos os nossos remanescentes e não deixarmos que os desmatamentos ilegais ocorram, porque a biodiversidade das vegetações remanescentes mais antigas não se alcança com essas recuperações, esses reflorestamentos. É lógico que precisamos buscar a reparação integral dos danos e a recuperação dessas áreas, mas é muito importante trabalharmos de um modo paralelo na proteção dos remanescentes.

* Alexandre Gaio é promotor de Justiça no Estado do Paraná. Atua no Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção ao Ambiente, Habitação e Urbanismo (CAOPMAHU) e coordena o GAEMA da regional Curitiba. É vice-presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (ABRAMPA). Graduado em Direito e Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, é também Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR.É o coordenador nacional da “Operação Mata Atlântica em Pé” e autor do livro Lei da Mata Atlântica Comentada, publicado pela editora Almedina.

 

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