MPMA realiza audiência sobre Zoneamento Ecológico-Econômico do Bioma Amazônico
As Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Público de São Luís realizaram, na manhã desta sexta-feira, 26, uma audiência pública virtual a respeito dos impactos da Lei de Zoneamento Ecológico-Econômico do Bioma Amazônico no Estado do Maranhão. A audiência foi conduzida pelos promotores de justiça Cláudio Rebelo Correia Alencar e Luís Fernando Cabral Barreto Júnior.
O objetivo da audiência, de acordo com Fernando Barreto, foi receber contribuições da sociedade para a instrução de um procedimento conjunto, aberto pelas Promotorias, para investigar o processo de elaboração e aprovação da Lei n° 11.269/2020. “Precisamos de contribuições claras, científicas, a respeito de possíveis prejuízos sociais, econômicos e ambientais nesse processo”, explicou.
Cláudio Alencar lembrou que o zoneamento ecológico-econômico (ZEE) é estratégico para o planejamento de uso e gestão do território, com o objetivo de nortear políticas públicas e o estabelecimento de empreendimentos privados em uma região. Segundo o promotor de justiça, a lei foi aprovada pela Assembleia Legislativa sem que fosse recebida uma Recomendação do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema).
O documento pedia, entre outros pontos, que fossem garantidas a participação popular e a escuta qualificada do Consema. Ainda de acordo com Alencar, o Ministério Público do Maranhão recebeu duas representações contra a lei, o que levou à investigação em curso.
DISCUSSÃO
Vários pontos foram levantados pelos participantes da audiência pública. Um deles foi a preocupação com o desmatamento da Amazônia maranhense, apontada por Daniele Celentano como a mais degradada de toda a região, com mais de 76% de sua cobertura vegetal original perdida. Conforme a professora, o documento não prevê a conservação e restauração dessas áreas além do existente hoje, quando há um passivo ambiental de mais de 1 milhão de hectares na região.
Vários dos participantes também abordaram a influência da Amazônia em outras regiões do estado, como o cerrado e a caatinga existentes no leste maranhense. Para Jânio Rocha, do Fórum Balaiada, há uma grande preocupação com as florestas secundárias amazônicas, cujo desmatamento pode acelerar um projeto de desertificação que já se verifica no leste do Maranhão.
O professor Welbson Madeira, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), questionou o modelo de leis de ZEE específicas, pois há uma ligação, direta ou indireta, significativa entre as regiões. Ronilson Costa, da Comissão Pastoral da Terra, ainda observou a necessidade de articulação com os estados que fazem divisa com a Amazônia Maranhense (Pará e Tocantins), além de ressaltar que a área é palco de muitos conflitos sócio territoriais.
Outro aspecto de interdependência citado foi a responsabilidade ambiental de empresas, que levam em conta os cuidados com o meio ambiente em seus investimentos. Janio Rocha lembrou que o mundo enxerga a falta de compromisso com o desenvolvimento sustentável, o que pode trazer prejuízos econômicos ao estado.
PARTICIPAÇÃO POPULAR
Foi consenso entre os participantes da audiência o pensamento de que a participação popular foi cerceada no processo de elaboração da lei. Para Mayka Amaral, professora da UFMA, a aprovação no período de pandemia foi uma estratégia para que não houvesse o diálogo entre os interessados.
Segundo Gilderlan Rodrigues, do Conselho Indigenista Missionário do Maranhão, a sociedade civil foi pega de surpresa com a aprovação da lei, em pleno período de restrição de circulação e reunião de pessoas por conta da pandemia do novo coronavírus. De acordo com ele, os indígenas não foram ouvidos a respeito de temas aos quais estão diretamente ligados, como a possibilidade de atividades de sequestro de carbono em terras indígenas.
A posição foi compartilhada por Arão Guajajara e Muhu Lopes Guajajara, da Terra Indígena Bacurizinho. Para Arão Guajajara, a lei confronta a segurança indígena, além de afetar diretamente a situação territorial e de sobrevivência desses povos.
Jaime Siqueira, do Centro de Trabalho Indigenista, afirmou que participou de uma audiência pública sobre o tema, realizada em Imperatriz, a qual considerou grotesca. O professor da Universidade Estadual do Sul do Maranhão (Uemasul) disse que nos três dias que antecederam a convocação da audiência seria impossível a leitura das quase nove mil páginas de estudos sobre o tema. Além disso, ele considerou que houve uma condução antidemocrática dos trabalhos, beneficiando apenas um setor interessado, o dos produtores rurais da região.
O professor também questionou a redução das reservas legais trazidas pela legislação. Segundo Siqueira, isso só seria permitido em estados com mais de 50% de áreas protegidas, critério no qual se inserem apenas Rondônia e Amapá. Preocupação semelhante foi apresentada por Isabel Camisão, que também questionou os fundamentos técnicos e jurídicos para a elaboração da lei. Ela observou, ainda, que o novo Código Florestal do Maranhão está parado na Assembleia Legislativa desde 2019 e que agora pode ser diretamente influenciado pela lei do ZEE.
Já Ronald Chaves trouxe à discussão a situação das comunidades quilombolas, em especial aquelas que estão em processo de certificação e que podem ser prejudicadas pela mudança. Neres Sousa, de Chapadinha, ressaltou a ausência dos Conselhos de Segurança Alimentar, igualmente excluídos das discussões.
Estudos científicos importantes também deveriam ter sido levados em conta, de acordo com diversos participantes. O professor Guillaume Rousseau, da Universidade Estadual do Maranhão, por exemplo, afirmou que os dados sobre aptidão agrícola dos solos que embasaram a lei não são do Maranhão, mas genéricos. De acordo com o professor, amostras de solo chegaram a ser coletadas, mas não foram analisadas por conta da pressa em aprovar a lei.
Marlúcia Martins, pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, observou que há mais de 46 espécies em risco de extinção na região e que a proposta de criação de corredores etno-ecológicos poderia contribuir para a recomposição da vegetação e permitir a reintegração entre os grupos tradicionais. Para ela, é preciso que se pense em um modelo de desenvolvimento econômico mais moderno, voltado à sustentabilidade e ao desenvolvimento regional.
ENCAMINHAMENTOS
A respeito de várias manifestações pela suspensão da lei n° 11.269/2020, o promotor Cláudio Alencar lembrou que o documento está em vigor, podendo ser questionado por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas pelo procurador-geral de justiça ou pelo procurador-geral da República. Ele ressaltou, no entanto, que esse é um processo demorado.
Para Cláudio Alencar, o zoneamento precisa existir, mas é preciso que se corrijam quaisquer irregularidades que tenham existido na elaboração e aprovação da lei.
O promotor Fernando Barreto afirmou que a audiência cumpriu seu objetivo, com a obtenção de informações relevantes para a investigação do caso. “A participação popular não pode ser mera consulta. É preciso um processo de construção junto com a sociedade”, destacou.
O promotor de justiça também informou aos participantes que o Ministério Público fará o acompanhamento imediato do processo de elaboração da Lei de Zoneamento Ecológico-Econômico dos Biomas Cerrado e Costeiro do Maranhão, tema de preocupação apresentado diversas vezes durante a audiência pública.
Acesse a íntegra: https://www.mpma.mp.br/index.php/lista-de-noticias-gerais/11/17824
Redação: Rodrigo Freitas (CCOM-MPMA)