NOTA DA ABRAMPA

ALERTA SOBRE AS INCONSTITUCIONALIDADES E RETROCESSOS AMBIENTAIS CONSTANTES DO PROJETO DE DECRETO QUE ALTERA O DECRETO N. 99.556/90, QUE DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO DAS CAVIDADES NATURAIS SUBTERRÂNEAS NO TERRITÓRIO NACIONAL.

A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS MEMBROS DE MINISTÉRIO PÚBLICO DE MEIO AMBIENTE – ABRAMPA, entidade civil que congrega membros do Ministério Público brasileiro com atuação na defesa jurídica do meio ambiente, vem, cumprindo seus objetivos institucionais, por meio desta nota, manifestar-se sobre mais um inaceitável capítulo do desmonte do arcabouço normativo e do aparato institucional de tutela do Meio Ambiente no Brasil, dessa vez em razão do Projeto de Decreto que altera o Decreto n. 99.556, de 1º de outubro de 1990, que dispõe sobre a proteção das cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional e dá outras providências.

A proposta de alteração legislativa antes mencionada apresenta proposições de significativa redução na proteção ao patrimônio espeleológico, dentre elas: (a) a permissão de impacto negativo irreversível em cavidades de máxima relevância, no caso de empreendimentos considerados de utilidade pública; (b) a diminuição de compensação espeleológica, no caso de impactos negativos irreversíveis em cavidades de alta relevância; (c) o esvaziamento das atribuições do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) nessa temática, já que se pretende transferir aos órgãos licenciadores o poder de rever a classificação do grau de relevância de cavidade natural subterrânea, assim como se busca transferir o poder de estabelecer diretrizes e critérios para as compensações no caso de impactos negativos irreversíveis em cavidades de média relevância para o Ministro do Meio Ambiente.

As medidas tal como previstas no projeto de decreto ocasionarão uma gravosa diminuição do patrimônio natural e cultural brasileiro, gerando graves efeitos conhecidos, a exemplo da perda de biodiversidade e de locais de importância histórica e cultural, além de consequências imensuráveis, que certamente repercutirão no desequilíbrio ambiental. Em última análise, matematicamente, haverá redução considerável no número de cavernas no Brasil.

A inconstitucionalidade da proposta, entre outros aspectos, está na afronta aos princípios da prevenção, precaução, da responsabilidade intergeracional e da vedação ao retrocesso. 

Além disso, mesmo que o regime de proteção normativo às formações espeleológicas tenha sido organizado pelo Decreto 99.556/90, é necessária a edição de lei em sentido formal para a sua alteração. Isso porque não é possível restringir a proteção constitucionalmente atribuída ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao patrimônio cultural[1], direitos humanos fundamentais, por meio de Decreto – ato do chefe do Poder Executivo de hierarquia inferior à das leis. Tal medida configura violação ao princípio constitucional da reserva legal, previsto no art. 225, § 1º, III, da CRFB, além de atentado ao princípio da vedação ao retrocesso ambiental ou ecológico.

De igual modo, verifica-se verdadeira afronta à separação dos poderes, prevista no art. 2º da CRFB, já que o decreto do Presidente da República, no caso, imiscui-se em tema reservado ao Legislador, desarmonizando o exercício das funções estatais. Trata-se, em verdade, de projeto de decreto autônomo, que inova na ordem jurídica para diminuir o regime normativo de proteção às formações espeleológicas, contrariando o texto constitucional (art. 84, IV e VI, da CRFB).

Com efeito, não se ignora a necessidade de compatibilização entre meio ambiente e economia. No entanto, a redução pretendida na proteção ao patrimônio espeleológico contradiz a noção básica de desenvolvimento sustentável, ao priorizar tão somente o aspecto econômico do tripé da sustentabilidade, que exige a ponderação e balanceamento, em pé de igualdade, com os demais aspectos social e ambiental.

Por outro lado, basta verificar os dados sobre licenciamentos ambientais deferidos pelo IBAMA nos últimos 10 anos (site https://www.ibama.gov.br/empreendimentos-e-projetos/licenciamento-ambiental-processo-de-licenciamento) para se perceber uma média de 786 licenças deferidas por ano, ou seja, mais de 2 licenças para grandes empreendimentos por dia. Em 2020, a média continua no mesmo ritmo tendo sido deferidas 139 licenças até então, mesmo considerando as dificuldades operacionais existentes desde o início da calamidade pública ocasionada pelo COVID-19. Vale dizer, o atual regramento não impede o crescimento econômico do Brasil.

A mudança proposta apenas ocasionará um aumento do ganho líquido para os empreendedores, com a socialização dos prejuízos para toda a sociedade, já que a desproteção às cavidades de máxima relevância e a diminuição da compensação espeleológica são medidas que, não apenas representam sensível perda ecológica, mas implicam uma proteção insuficiente do meio ambiente natural e cultural.

Por fim, tem-se que a proposta de decreto retira atribuições consolidadas do órgão ambiental especializado que tem cuidado do patrimônio espeleológico brasileiro historicamente, qual seja, o ICMBio por intermédio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV), o que é negativo para a segurança jurídica e pode significar um afastamento de critérios técnicos de decisão.

Em razão do quanto determina os artigos 23, 170 e 225 da Constituição da República, a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, bem como do aludido sistema protetivo do patrimônio espeleológico nacional, impondo a obrigatoriedade ao Estado de proteção ao meio ambiente e de atuar na prevenção de danos ambientais em relação às atividades econômicas, certamente poderão ser levantados questionamentos sobre a constitucionalidade do decreto em análise. Diante disso, o efeito esperado poderá ser oposto ao almejado ocasionando maior insegurança jurídica e prejuízos à sustentabilidade socioambiental com diminuição da proteção ambiental.

Belo Horizonte, 29 de abril de 2020.

Diretoria da Abrampa

 


[1]                     No Brasil, a preservação do patrimônio espeleológico é objeto de conjunto normativo. A Constituição da República de 1988 previu as cavidades naturais como bens da União (art. 20, X), parte do patrimônio cultural da Nação brasileira, de acordo com o art. 216, inciso V. Outras normas que tratam sobre cavidades naturais são a Portaria – IBAMA n.º 887/90, no Decreto n.º 99.556/90 (alterado pelo Decreto n.º 6.640, de 2008), na resolução CONAMA 347/2004 e as Instruções Normativas MMA 30/2012 e 02/2017. O patrimônio espeleológico é ainda mencionado na Lei 9.985/2000 como objeto de proteção do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Esse arcabouço jurídico visa a tutelar as cavidades naturais subterrâneas, importantes ambientes naturais, considerados bens culturais por se tratarem de sítios de valor ecológico e científico, podendo ainda conter valor histórico, turístico, arqueológico, paleontológico, paisagístico e artístico.

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