PROTEÇÃO ÀS FLORESTAS, ENTREVISTA COM A PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, SANDRA AKEMI SHIMADA KISHI

As florestas brasileiras têm sido ameaçadas constantemente pelo desmatamento e degradação. Isso acontece por terem desviado seu uso para necessidades crescentes do próprio homem e pela falta de um gerenciamento ambiental adequado.

Para falar sobre a proteção às florestas, a procuradora regional da República no Ministério Público Federal, Sandra Akemi Shimada Kishi, nos concedeu uma entrevista acerca do tema. Ela abordou os benefícios, a relação com os serviços ecossistêmicos, os riscos da exploração irracional das florestas e as ações do Ministério Público no combate aos ilícitos ambientais.

Nós sabemos que as florestas têm um papel importante para a manutenção da vida no Planeta. O que elas podem fazer para conter a velocidade das mudanças Climáticas?

Sandra Kishi – A própria Constituição Federal (CF/88), no artigo 225, no capítulo de proteção do meio ambiente, impõe o dever do poder público e de toda a coletividade em defender e preservar o meio ambiente para as futuras gerações. Interessante que a Constituição enfatizou a relevância das nossas fauna e flora no seu §1º, inciso VII, incumbindo a necessária proteção da biodiversidade para que não coloque em risco a função ecológica e para que não se provoque a sua extinção, eis que o Brasil é o país mais megabiodiverso do planeta. É nossa responsabilidade não só conservar essa posição, mas avançarmos na proteção também do valor cultural associado a essa biodiversidade. Sabemos que isso é importante para o nosso país porque o principal capital natural é o seu patrimônio ambiental.

É importante trazer a questão das práticas que colocam em risco a função ecológica e a própria extinção da biodiversidade, porque, além da Constituição Federal impor esse dever duas vezes com verbos impositivos, tornando-o obrigatório para o poder público e para a sociedade, ela acaba enfatizando a imediata observância em relação aos deveres impostos pela Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei n.º 11.284/06), que é fundamental para uma mudança nesse cenário de crescente desmatamento e de degradação florestal. A Lei de Gestão de Florestas Públicas, associada à Lei de Pagamento por Serviços Ambientais, busca honrar a meta de restauração florestal, uma métrica já definida pelo Acordo de Paris em 2015, em uma época em que o Brasil assumia o vanguardismo na proteção ambiental em nível Internacional. Esse desafio é caro ao Brasil por conta dessa representatividade como o país mais megabiodiverso do planeta.

Nós temos também a Lei de Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/2009) que, no seu artigo 12, estabelece outro compromisso nacional voluntário do nosso país para ações de mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Mas, como na prática fazer isso? Uma saída é traçar medidas de adaptação inovadoras e articuladas, pautadas em planejamento estratégico. Nós temos um cadastro nacional de florestas públicas, que foi atualizado em 2020 e traz dados oficiais de 2019 em relação ao total de florestas públicas desmatadas em todo o território. Esses dados são importantes para o levantamento da criminalidade ambiental, principalmente em relação às florestas, já que elas estão umbilicalmente relacionadas à questão da mudança climática. Todas as metas do Acordo de Paris têm relação com medidas de combate e de redução de emissões de gases ligados à contenção do desmatamento e das queimadas, e à necessidade de evitar a degradação florestal.

 A Lei de Pagamento por Serviços Ambientais também ajuda a fortalecer a meta da restauração ou do reflorestamento até 2030. Mas como nós podemos fazer isso? A própria Lei de Gestão de Florestas Públicas acaba trazendo as medidas necessárias, entre elas, a criação de mais florestas nacionais, estaduais e municipais, pois está comprovado que a destinação das florestas para uso comunitário como assentamentos, reservas extrativistas, áreas quilombolas e de comunidades tradicionais representam medidas de gestão de florestas públicas para atingir a meta de 2030.

Há na União Europeia (EU) uma norma sobre os riscos ESG (sigla em inglês para “ASG” – ambiental, social e governança) para restauração florestal que antecipa, em 10 anos, o termo final da obrigação de restauração florestal para dezembro de 2020, em comparação aos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) programados na maioria para 2030. Então, à luz dessa norma da União Europeia, teríamos o compromisso de cumprir a restauração florestal até 2020, em gestões integradas por bacias hidrográficas, para poder dar conta do controle do risco de perda dos benefícios trazidos pelas florestas e seus serviços ecossistêmicos. Essa norma da União Europeia é o Regulamento 2019/2088, relacionado em especial à divulgação de informações atinentes à sustentabilidade no setor financeiro. Tudo isso está jungido a mudanças climáticas como um fator necessário a ser combatido, por medidas de adaptação climática, redução das emissões de gases de efeito estufa, reflorestamento, em bases de um planejamento hidrológico que faça a concatenação desses fatores. Aliás, esse ideal quadro do planejamento hidrológico com vários indicadores está desenhado desde 1992 na Convenção de Helsinque, que o Brasil assinou, mas infelizmente não ratificou. Mas nesse ponto, a política de gestão participativa, descentralizada e integrada, tal como prevista na Lei 9433/97, alcança perfeitamente esse modelo.

Qual a importância das florestas para o homem? Quais são os principais benefícios das florestas no ecossistema?

Sandra Kishi – As florestas, dentre outros serviços ecossistêmicos, são responsáveis pela produção de água. A continuidade das nascentes depende intrinsecamente da preservação das florestas. Nós temos dois fenômenos hidrológicos importantes ligados às florestas. O primeiro é o fenômeno dos rios voadores, que tem que ver com verdadeiras dádivas funcionais da floresta amazônica e do cerrado aos demais biomas. Nós temos fragmentos de Mata Atlântica no bioma cerrado e inclusive no bioma Amazônia. Os biomas se intercomunicam. Temos ciclos hidrológicos que fazem com que o centro, sul e sudeste do Brasil não virem um deserto. Se analisarmos a faixa latitudinal do planeta, parte considerável do país está na altura dos desertos do Atacama, da Namíbia e da Austrália. O que nos impede de enfrentarmos climas desérticos nessa latitude é o fenômeno dos rios voadores que levam chuvas para a regiões sudeste e sul do país. Os ventos que vêm do litoral nordeste do nosso território carregam as nuvens da região norte até a Cordilheira dos Andes, que, por encontrarem essa barreira física, rebatem e retornam para o centro em direção ao sul do Brasil, em forma de chuvas.

Outro fenômeno vem das florestas invertidas, que também é um ciclo hidrológico, que garante a formação dos rios subterrâneos. Aqui, o cerrado também é protagonista, em razão da sua estrutura florestal “de ponta cabeça”. As raízes profundas dos arbustos típicos do cerrado são gigantes e se alastram no subsolo, que, com muita resiliência, conectam-se à água embaixo da terra na estação seca. E na estação chuvosa elas servem como um material que retém água no subsolo e no solo, permitindo que os aquíferos sejam recarregados. Ou seja, são caixas d'águas subterrâneas que garantem uma eficiente recarga de águas aos aquíferos. Não é à toa que o Cerrado é reconhecido como berço das águas. Porém, esse fenômeno hidrológico está em perigo por conta da agricultura intensiva, que acaba retirando a floresta nativa que garante o fenomenal serviço da floresta invertida e dos rios subterrâneos, que através do circuito hídrico do Paranaíba, levam água para diversas bacias, como as da  Caatinga, às bacias do São Francisco, do Jequitinhonha e do Paraná, alimentando diversas outras regiões do Brasil, não apenas o sul e o centro-oeste, mas também o nordeste brasileiro. Veja a importância para o homem e para os biomas brasileiros dessas florestas que existem nos diversos biomas com suas relevantes e peculiares funções ecológicas.

Por isso que a nossa Constituição Federal, inciso VII do parágrafo 1º do artigo 225, garante expressamente a preservação da função ecológica da fauna e da flora. Vale lembrar que a Convenção da Diversidade Biológica foi incorporada ao nosso ordenamento jurídico nacional no altiplano constitucional, e ali se encontra consagrada como imutável garantia fundamental*. Além disso, importante é salientar que as normas de proteção da biodiversidade têm prevalência em relação a qualquer outra norma sobre qualquer outro tema de direito fundamental. Isso está expresso no artigo 22 da Convenção da Diversidade Biológica, que por ter sido ratificada pelo nosso Congresso Nacional e promulgada por decreto presidencial em 1998 está incorporada ao nosso sistema jurídico como norma constitucional, conforme reconhecidos autores do direito internacional, por sua natureza de direito humano fundamental. Ou no mínimo, conforme entendimento que hoje prevalece no STF, a matéria abriga-se no nível da supralegalidade. A questão dos serviços ecossistêmicos da nossa biodiversidade adquire força cogente de nível constitucional, por conta do inciso VII do parágrafo 1º do artigo 225 da CF, realçada pela Convenção da Diversidade Biológica como universal e preponderante num suposto conflito de normas protetivas de garantias fundamentais. Isso também é de certa forma enfatizada na Lei de Pagamento por Serviços Ambientais, recentemente editada em 2021, que dispõe como prioritários os serviços ambientais das áreas de comunidades tradicionais e territórios indígenas, além de parques e florestas nacionais, como barreiras que são contra o desmatamento. Hoje, infelizmente, assistimos a ilhas ou fragmentos de florestas em meio a um avanço do agronegócio praticado de forma intensiva, causando a degradação dos serviços ecossistêmicos. É dado o momento de falarmos também em segurança dos serviços ambientais, enquanto indicador para a sustentabilidade nas cadeias de produção e como premissa da segurança alimentar, da segurança da água e da segurança da saúde ambiental.

Quais são os principais benefícios da preservação das florestas?

Sandra Kishi – Em relação aos benefícios que a preservação das florestas pode trazer são vários os ângulos que a questão pode ser abordada. Primeiro, há a gestão de riscos ASG (Ambiental, Social e Governança) em nível de planejamento e nas adequadas gestões voltadas à prevenção de risco ambiental para bom desempenho de governanças para a sustentabilidade, implementáveis no monitoramento e no controle dos riscos. Mero revisionismo para alguns, o fato é que os riscos ESG levam as governanças corporativas, públicas e privadas a assumirem um compromisso aberto com a ética e a internalizarem os custos da prevenção de riscos ambientais e socioambientais, no âmbito de uma contabilidade ambiental, assumindo esses custos com conservação da natureza e restauração florestal para evitar riscos reputacionais e de imagem da empresa, pública ou privada, que vai ganhar com a divulgação de sua cultura de segurança e de responsabilidade anticorrupção.

O tema da ordem do dia é segurança! Com efeito, planos de segurança ambiental, de segurança alimentar e de segurança da água devem se voltarem a uma real internalização dos custos com a prevenção dos riscos ambientais e socioambientais, aplicados em monitoramento e controle do risco, evitando-se com isso os próprios danos ambientais. Por força das parcerias público-privadas essas ações estratégicas resultarão de um controle social no e para um efetivo poder de polícia participativo, munido de estudos e avaliação de impactos ambientais com condicionantes elegíveis e agregados ao licenciamento ambiental de determinada atividade ou projeto. Esta governança colaborativa vai depender da delimitação das competências e das responsabilidades, articuladas em planos de ação, em nível de gestão e de controle. Hoje a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), consentânea com as diretrizes da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, prevê um verdadeiro compliance ambiental empresarial, já que a natureza, como principal capital natural brasileiro, é também um patrimônio público, portanto, bem jurídico tutelado por essa lei, que responsabiliza objetivamente a prática de ato de corrupção ambiental. A Universidade das Nações Unidas, no Canadá, em 2014 afirmou em relatório de estudos que uma má gestão ambiental pode, em tese, tipificar um crime lesa humanidade.

Essa prevenção de riscos ESG ou ASG está diretamente relacionada à responsabilidade anticorrupção, que, por força do princípio da precaução, exige a prevenção dos riscos ainda que incertos, porque a Constituição Federal, por meio do princípio do controle do risco, não necessita da incerteza científica, nas atividades de risco para implementar imediatamente uma medida de precaução. Isso foi ratificado pela Lei de Defesa de Política Nacional de Defesa Civil, de modo que a sociedade e o poder público precisam entender que existe uma relação de ganha-ganha na preservação do meio ambiente e no combate ao desmatamento, na medida em que se ganha na imagem reputacional da empresa, que hoje é um dos patrimônios mais valiosos de um empreendimento. Tenhamos em vista o que aconteceu com a empresa Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, que arcou com uma ação de responsabilização por atos de corrupção ambiental na medida que não evitou o risco de rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho-MG, quando era previsível, por meio de monitoramento hidrogeológico, que a barragem estava prestes a se romper, redundando na celebração do maior acordo da América Latina até hoje, decorrente de ação judicial de responsabilidade por não compliance proposta pelo MPMG. Tudo isso por conta da não prevenção, do não controle do risco e em razão da não internalização dos custos com essa prevenção a potenciais danos ao meio ambiente.

Essa mudança de paradigma cultural, no sentido que economicamente vale a pena preservar o meio ambiente, não só para evitar perdas econômicas, mas para efetivamente ganhar com uma boa imagem, com chances reais de alcançar mais investimentos, num mercado de capitais que valoriza cada vez mais o desempenho-ESG. Com efeito, hoje, há todo um arcabouço de diretrizes e normas do Acordo de Facilitação de Comércio do Banco Mundial, os Princípios do Equador e as diretrizes dos Princípios para Investimento Responsável (PRI) que apontam para a responsabilidade por investimentos sustentáveis.

Quais são os principais riscos da exploração irracional das florestas?

Sandra Kishi – Importante anotar um triste dado: o desmatamento acumulado em 10 meses (de agosto de 2019 a maio de 2020) na Amazônia Legal foi 72% maior do que o registrado no mesmo período anterior, segundo dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real – DETER, do INPE.

Em 2003, antes do início do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPDC-AM), havia na Amazônia Legal um total de 86 unidades de conservação federais, totalizando 36,4 milhões de hectares. Tais dados foram apresentados em relatório de estudos da UFMG juntados, em audiência pública, aos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº. 59, de relatoria da Ministra Rosa Weber, do STF). Infelizmente, de 2019 até hoje, não foram mais criadas Unidades de Conservação Federais na Amazônia Legal. Não é difícil prever que as metas assumidas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mais especificamente o ODS 13 (ação contra mudanças climáticas) e o 15 (proteção da vida terrestre), relacionadas à redução de emissão de gases de efeito estufa e ao necessário reflorestamento de 12 milhões de hectares, até 2030, conforme assumidas no Acordo de Paris, não serão atendidas.

O que se vê de imagens satelitais hoje são “Ilhas de florestas” coincidentes com Territórios Indígenas, em meio a áreas ocupadas pela agricultura e pecuária, no Parque do Xingu, na Amazônia.

A educação ambiental em todos os níveis ajudará a entronizar na consciência coletiva que a conservação da natureza, tal como preconizado no Laudato si e numa releitura do Relatório Brundtland, no contexto da atual sociedade de risco, é fator crucial e preponderante sobre a economia.

Os princípios ASG introduzem o fator ambiental no conceito de equilíbrio econômico-financeiro das relações contratuais e negociais, para evitar risco reputacional e impactos nos dividendos das empresas. Os Riscos de Sustentabilidade são riscos financeiros. Ou seja, as empresas que não se adaptarem passam a assumir efeitos dos riscos não evitados e que deveriam ser, por força da necessária precaução diante do risco, à luz do princípio do controle do risco, previsto na Constituição Federal de 1988, artigo 225, § 1o., V e VII, retomando o tópico inicial dessa entrevista, pois esta norma constitucional visa a especialmente proteger a fauna e a flora brasileira.

No nosso país, o desmatamento na Amazônia é tipificado como um crime ambiental e na prática vem muito de dinâmicas de invasões e da regularização de terras públicas.

A privatização de parques nacionais em mercados de capitais para investidores internacionais sem uma necessária internalização dos custos com a conservação dos serviços ecossistêmicos e do ciclo hidrológico, assim como os custos com o controle dos riscos ambientais, evitando que a sociedade acabe por arcar, ao final, com as perdas e os prejuízos pela omissão na conservação da natureza, na necessária fiscalização e monitoramento em parques e florestas nacionais. Não nos parece que a parte mais onerosa do processo de privatização nesses complexos e desafiantes cenários deva ser arcado apenas pelos gestores públicos, numa parceria público-privada.

Importante também levar em conta o contexto atual da pandemia da COVID-19. A diretoria da Organização Mundial da Saúde (OMS) atestou que 70% dos últimos surtos epidêmicos (Ebola, Sars, HIV, Cólera e o novo coronavírus) começaram com o desmatamento, que é uma forma de derrubar a barreira ambiental entre espécies que nos protege de forma natural. Esta é também a conclusão que consta do Relatório do IPBES (publicado em novembro de 2020). O IPBES é uma Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, do PNUMA, UNESCO e FAO, envolvendo mais de 70 países publicou o alerta de que mais de 600 mil vírus e bactérias nativas e silvestres estão prontas para um novo derramamento, direto da natureza devastada para novas zoonoses, que depois poderão alcançar seres humanos, causando novas epidemias.

A UNESCO também desenvolveu o Plano de Ação da Reserva da Biosfera da Amazônia Central (RBAC) em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amazonas (SEMA/AM). Esse Plano de Ação resultou em uma matriz de 118 ações a serem implementadas no quadriênio 2021-2024, consoante a Portaria SEMA 45, de 29.04.2021, priorizando ações de fortalecimento das comunidades indígenas e tradicionais para o combate ao desmatamento, aos incêndios florestais e ações de fortalecimento de cadeias produtivas locais com base no turismo, artesanato, produção sustentável de produtos florestais não madeireiros e a pesca artesanal. Ou seja, os organismos internacionais revelam-se preocupação no grau máximo com o desmatamento da Amazônia e outros biomas brasileiros.

Quais são os principais ilícitos ambientais cometidos nas áreas florestais? Como frear esses ilícitos ambientais?

Sandra Kishi – Olhando para as florestas nacionais na Amazônia, temos a situação alarmante da grilagem de terras, ou seja, a marginalidade na questão da própria propriedade e no uso e ocupação indevido do solo. Some-se a isso, a violência contra comunidades indígenas ou populações tradicionais, gerando, em tese, crimes de genocídio. Há ainda crimes de fiscalização deficiente, crimes da extração ilegal da madeira, crimes em razão das queimadas, crimes relacionados à ocupação desordenada do solo, crimes relacionados ao garimpo ilegal do ouro e o uso de substâncias proibidas, como o mercúrio por exemplo, que traz vários malefícios para a saúde do homem. É importante lembrar que os povos das florestas ressentem uma maior vulnerabilidade em relação à imunidade frente a doenças levadas pela antropização humana.

Enfim, pode-se resumir, grosso modo, que quase tudo gira em torno da fiscalização, que infelizmente tem sofrido notório processo de desmantelamento. E o pior, diante da divulgação de uma massiva privatização de parques e de florestas nacionais, principalmente na Amazônia, as perguntas que ficam são: Quem vai fiscalizar? O setor privado está preparado? Tem consciência do tamanho do desafio da fiscalização frente à criminalidade organizada, ligadas a cadeias de organizações criminosas, inclusive em nível internacional, como escancarado na mídia?

Como o Ministério Público está trabalhando para a proteção das florestas?

Sandra Kishi – O Ministério Público brasileiro está trabalhando em diversas linhas de frente, inclusive na atuação resolutiva com muita proatividade em projetos e programas usando inovações tecnológicas, cumprindo acordos de cooperação técnica com diversos reconhecidos institutos, organismos e instituições acadêmicas com todo seus aportes de gabaritados cientistas, especialistas e técnicos que apoiam institucionalmente o Ministério Púbico, em cooperação para a formação de robustas provas e materialidades dos atos, tanto por meio de estudos, como através de apoio no monitoramento tecnológico, com uso de melhores técnicas disponíveis e equipamentos de alta capacidade de monitoramento, em nível satelital e hiperespectral inclusive.

Não escapam do olhar dos membros do Ministério Público Ambiental mesmo os recônditos gargalos. E é com muita maturidade que os órgãos do MP brasileiro avançam, uníssonos e em conjunto em projetos e programas estratégicos, como o Amazônia em Foco, inventariando não só os problemas em relação aos outros atores, mas também em relação a si mesmo, e como os membros e a instituição do MP podem contribuir para melhorar e aperfeiçoar, por exemplo, o seu sistema de cadastramento de procedimentos e processos judiciais como matriz de risco e de diagnósticos para apoiar melhores decisões de atuação estratégica. Também merece destaque a atuação preventiva e dialógica do membro do Ministério Público de meio ambiente como agente de mediação e de negociação e enquanto ator relevante no diálogo intersetorial para a busca de soluções e objetivos comuns, numa atuação resolutiva bastante valorizada atualmente na nossa Instituição.

A propósito, temos diversas normas do Conselho Nacional do Ministério Público e portarias e atos de Procuradorias Gerais que valorizam, em nível de corregedorias inclusive, uma atuação preventiva para evitar a excessiva judicialização, primando pela busca de soluções efetivas que vão colher num curto espaço de tempo. A eficiência também depende de soluções num tempo razoável, contribuindo para a efetividade da tutela jurisdicional. Reserva-se assim ao Poder Judiciário os litígios altamente complexos, que demandam estruturas de obtenção de provas demandadas por ordem judicial.

Recentemente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma portaria que recomenda o aperfeiçoamento da prova eficiente e robusta para justamente viabilizar a boa conclusão e segurança da execução das decisões judiciais sobre os ilícitos relacionados ao meio ambiente, privilegiando as provas obtidas por inovações tecnológicas, monitoramento satelital, monitoramento por sensoriamento remoto em tempo real por vídeos de alta resolução e por monitoramento sensorial espectral. Essa recomendação do CNJ privilegia essas inovações tecnológicas para formação de robusta prova no processo judicial, permeada com diálogos entre as cortes e das fontes, ou seja, com cruzamento de importantes informações não só normativas e jurisprudenciais, mas fontes científicas, tecnológicas e de cognição avançada que vão ajudar na boa tutela jurisdicional do meio ambiente e na própria aplicabilidade da justiça ambiental.

O MP vem colaborando e participando efetivamente da maximização em juízo e extrajudicialmente do direito fundamental, seja em linha de litígios estruturais, seja da otimização de todos os meios para preservação do meio ambiente. Portanto, a instituição vem atuando em diversas frentes, não só ajuizando ações civis públicas, instaurando inquéritos civis, inquéritos policiais e denúncias crime, mas também trabalhando na seara extrajudicial preventivamente e proativamente por meio resolutivo, a exemplo do Projeto Conexão Agua, da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que busca a a articulação com diversos atores da sociedade a fim de obter melhores resultados de forma rápida, proativa e com eficiência no cumprimento de sua missão institucional em prol dos interesses públicos, em especial, os relacionados à sadia qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

* Sandra Akemi Shimada Kishi é Procuradora Regional da República, Coordenadora dos Projetos Qualidade da Água e Conexão Água da 4ª CCR/MPF; Vice-presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (ABRAMPA) e mestre em Direito Ambiental na UNIMEP.

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