REFLEXÕES SOBRE O URBANISMO NO BRASIL – ENTREVISTA COM O PROMOTOR DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA, PAULO ANTÔNIO LOCATELLI
É cada vez mais necessário refletir sobre a criação de soluções de urbanismo que podem contribuir para a saudável integração entre homem e a cidade. Paraentender melhor o panorama do urbanismo no Brasil, conversamos com Paulo Antônio Locatelli, Promotor de Justiça de Santa Catarina, que abordou pontos importantes sobre legislação urbanística, o Estatuto da Cidade, legislação e meio ambiente.
Como você avalia o cenário atual da legislação urbanística do Brasil?
Paulo Locatelli – Vivemos nesse século um fetiche legislativo com a proliferação saudável ou oportunista de leis ambientais e urbanísticas, muitas utópicas e simbólicas. Em nível federal não vivenciamos uma carência legislativa, as diretrizes e princípios estão estabelecidas, falta é a incorporação dessas normas com seu detalhamento necessário ao interesse local, aos municípios. Em geral não falta lei, falta leitura e implantação das mesmas, principalmente em se tratando de instrumentos jurídicos e políticas públicas relacionadas ao direito urbanístico.
O Estatuto da Cidade (EC) completou 20 anos esse ano. Quais foram os acertos e quais foram os erros?
Paulo Locatelli – Quando aprovada, a lei foi reconhecida como um grande avanço e difundida internacionalmente, e desde então, apesar do empenho de vários setores para a sua implementação, principalmente por meio da aprovação e revisão de Planos Diretores Municipais, a normativa ainda não cumpriu tudo o que prometeu. A “culpa” por essa “falha” não pode ser imputada à lei, mas àqueles a quem ela se dirigiu: entes públicos e sociedade. Infelizmente a inobservância do EC, acarreta o crescimento desordenado, exigindo que leis corretivas como a Lei n. 13.465/17 sejam aprovadas, justamente para regularizar os núcleos urbanos informais que surgem diante da omissão fiscalizatória e de governança. Marginais ou marginalizados se aproveitam dos vazios legislativos ou da inoperância das políticas públicas de habitação e, por consequência, semeiam o caos urbano, social e ambiental. O EC trouxe grandes inovações sendo que algumas já fazem parte da normativa municipal como o Estudo de Impacto de Vizinhança (EVI), outorga onerosa, outros nem tanto, como IPTU progressivo ou a função social da propriedade. Há 20 anos em vigor, o que se percebe na maior parte dos municípios é a costumeira inércia, que deve dar lugar ao protagonismo célere e justo, ao aplicar as diretrizes, princípios e instrumentos trazidos pelo EC, principalmente respaldado na sustentabilidade como regra vinculante para toda e qualquer política pública.
Quais são as funções do urbanismo às quais as cidades devem se prestar?
Paulo Locatelli – A principal função reconhecida pela carta magna é a social. Ao longo da história, as vilas, aldeias e cidades surgiram de acordo com a finalidade que era proposta pelos seus ocupantes. A geografia, relevo, clima e hidrografia iriam definir e permitir a implantação das mais variadas atividades, sejam elas comerciais, portuárias, bélicas ou agropecuárias. Aproveitava-se do desenho natural para o surgimento de muros, palácios, casas, feiras, portos, enfim, toda intervenção antrópica possível. Essa simbiose frutificou propiciando o desenvolvimento das cidades. Como disse Jan Gehl na obra “Cidade para as pessoas”, primeiro nos moldamos à cidade, depois ela nos molda. Esse é o objetivo da urbanização, atender aos anseios dos moradores de forma sustentável, pois o planeta não é uma jazida de recursos a ser esgotada, mas um oásis de vida muito precioso que exige parcimônia e governança no seu uso.
Na dimensão ambiental, como o urbanismo sustentável melhorará a vida das pessoas?
Paulo Locatelli – A sustentabilidade deve ser o vértice, a diretriz vinculante de toda política de desenvolvimento urbano. Essa é a tônica da obraElementos para a Sustentabilidade da Regularização Fundiária Urbana nas Áreas de Preservação Permanente, lançada esse ano pela LumenJuris. Não só para a Regularização Fundiária Urbana, mas para o próprio planejamento urbano. A dimensão ambiental garantirá a integridade do ecossistema que deve estar em sintonia com as demais dimensões. Todos ganham com a melhoria da qualidade ambiental.
Como o Ministério Público vem atuando em relação ao tema?
Paulo Locatelli – O Ministério Público atua de forma solidária, interagente, multidisciplinar, como propulsor, instigador, fiscal das políticas públicas urbanísticas e ambientais. Promotorias de Justiça especializadas, aglutinando a área cível e criminal, judicial e extrajudicial e a improbidade administrativa vinculada a esses temas, inclusive com atribuição regional e estadual, são importantes para cumprir com a missão de fiscalizar, celebrar TACs e de ser o autor de ações. A criação de forças-tarefas tem se mostrado útil para investigação de organizações criminosas agindo em desrespeito às normais ambientais e urbanísticas.
Paulo Locatalli aprofunda mais esse tema na publicação 20 Anos do Estatuto da Cidade: Experiências e Reflexões, no artigo A Hora da Verdade (pg. 410 à 415)
* Paulo Antônio Locatelli é Mestre em Ciências Jurídicas pela UNIVALI com dupla titulação pela Universidade de Alicante – IUACA, Promotor de Justiça com atribuição para o Meio Ambiente do MPSC, Vice-diretor da Região Sul da ABRAMPA, professor das Disciplinas de Direito Ambiental e de Prática de Direitos Difusos e Coletivos e, também Diretor da Escola do Ministério Público de SC. Especialista em Direito Processual Civil e Direito Público com ênfase em Direito Constitucional ambas na UNOCHAPECÓ.