SOCIEDADE E URBANISMO – ENTREVISTA COM A PROMOTORA DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL, ANNELISE MONTEIRO STEIGLEDER
Políticas públicas, saneamento básico, expansão da cidade e suas relações com o urbanismo são temas abordados nessa entrevista com a Promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Annelise Monteiro Steigleder.
Quais são os avanços das políticas públicas relacionadas ao urbanismo?
Annelise Steigleder. – Em relação às políticas públicas relacionada ao direito urbanístico, não considero que, desde o advento do Estatuto da Cidade, tenham ocorrido avanços. O Estatuto da Cidade não foi implementado eficientemente, já que poucas regiões metropolitanas já contam com planos metropolitanos. O advento da REURB, instituída pela Lei 13.465/2017, reconhece os fatos consumados, mas desprestigia a ideia de planejamento urbano e os padrões urbanísticos. Além de marcar a diferença socioeconômica no território, pois não demanda os equipamentos urbanísticos, as áreas verdes, que seriam exigidos quando da implementação de um loteamento ou projeto urbano regular.
Como a precarização do saneamento básico afeta diretamente no urbanismo?
Annelise Steigleder. – Quanto à precarização do saneamento, trata-se de tema diretamente relacionado ao urbanismo, porquanto as áreas intraurbanas deficientes em infraestrutura pública (redes de abastecimento de água, redes de drenagem, recolhimento de lixo) tendem a ser áreas segregadas, precárias, em que a população tem seus direitos fundamentais constantemente violados. É imprescindível assegurar o saneamento básico para a produção de espaços urbanos inclusivos, que por sua vez, permitem qualidade de vida para a população e para a concretização do direito à cidade sustentável.
Quais são as consequências das expansões das cidades e sua concentração populacional para o meio ambiente?
Annelise Steigleder. – A expansão da cidade, com constantes ampliações de perímetro urbano, vai na contramão do desenvolvimento ecologicamente sustentável. O solo é um recurso natural escasso e a urbanização provoca danos ambientais em virtude da supressão da vegetação, da impermeabilização do solo, da geração de resíduos sólidos etc. Portanto, o planejamento urbano é indispensável para que se possa ter a clareza sobre a necessidade dessa expansão, o que deve ser precedido da elaboração de um Plano de Urbanização, nos termos do art. 42-A do Estatuto da Cidade.
Como suprir a lacuna dos problemas que surgem com a urbanização desenfreada?
Annelise Steigleder. – A urbanização desenfreada gera graves problemas ambientais e está associada à autoprodução da moradia por famílias de baixa renda, que não conseguem acessar a terra urbana formal através do mercado. Invadem áreas dotadas de importância ambiental e, neste caso, a urbanização é feita sem planejamento, sem dotação de infraestrutura básica, sem espaços públicos e equipamentos como escolas, postos de saúde etc. O resultado é um tipo de urbanização excludente, que aumenta a formação de áreas segregadas, vulneráveis.
Quais as soluções que o Ministério Público propõe?
Annelise Steigleder. – O Ministério Público deve atuar cobrando do Município que ocorra a fiscalização efetiva para evitar as ocupações/invasões de terras e para que a REURB para os casos de ocupações consolidadas produza resultados materiais em termos de melhoria da qualidade do espaço urbano. Que não seja uma “REURB no papel”, que legaliza o imóvel, mas não se preocupa com a dotação de infraestrutura e saneamento básico.
*Annelise Monteiro Steigleder – promotora de justiça do MPRS, mestre em direito pela UFPR, doutora em planejamento urbano e regional pela UFRGS e Diretora Acadêmica Sul da Escola Superior da ABRAMPA